Numa das suas afirmações mais lembradas ao longo dos tempos, o reformador João Calvino afirmou que “o coração do homem é uma fábrica de ídolos”. Ressuma dessa impressionante assertiva, que é radicalmente bíblica em sua contundente formulação, que o coração do homem não comete o pecado da idolatria de modo circunstancial, como se fosse um mero e acidental deslize de comportamento; mas, ao contrário, é idólatra em seu cerne, sempre pródigo em fabricar modalidades aparentemente novas para o cometimento do velho pecado de, à semelhança do que aconteceu com Adão e Eva no Jardim do Éden, querer ser como Deus, anelando ocupar um lugar que não lhe é devido e jamais o será.
Como diria o grande poeta Camões: “mudam-se os tempos”, mas a idolatria, pecado arraigado no coração, continua agasalhado no interior do homem, em sua caída e rebelde natureza, profunda e desesperadamente necessitada de uma transformação espiritual somente passível de realizada pelo poder soberano e sobrenatural de Deus. Poder esse que é exercido pelo Santo Espírito de Deus, que, instrumentalizando-se da pregação do evangelho, vivifica o coração do homem, dele fazendo, mais do que uma nova criatura, uma nova criação.
É sobre o pecado da idolatria, do qual nenhum ser humano está isento, nem mesmo o que já foi regenerado pelo Espírito e pela Palavra de Deus, que se pronuncia, com farta biblicidade, o pastor e teólogo presbiteriano Mauro Meister em seu instrutivo livro: A origem da idolatria, publicado no passado pela editora Vida Nova.
Escrito de forma simples, didática, e altamente comunicativa, o livro do pastor Mauro Meister ajuda-nos, à luz das Escrituras Sagradas, a compreendermos a origem e as consequências da idolatria; a natureza essencial da idolatria e como poderemos enfrentá-la e vencê-la; a idolatria que nasce no porto de teologia, espiritualidade e ética divorciadas da Palavra de Deus; e, por fim, a loucura da idolatria e o que o nosso Deus espera de cada um dos seus servos.
Mauro Meister principia a sua argumentação afirmando que laboram em grande equívoco os que presumem que somente cometem o pecado da idolatria os que se prostram diante de imagens de escultura e depositam nelas a sua confiança, crendo que elas são reais, vivas, poderosas, e capazes de ouvir as preces a elas endereçadas.
Por esse patamar equivocado de compreensão, os evangélicos estariam absolutamente isentos de cometer tal pecado, dado que, pelo que sabemos, os evangélicos não cultivam imagens de escultura em suas casas, nem se curvam diante delas. Igrejas evangélicas não impregnam os seus locais de culto das chamadas imagens de santos.
Presumir, contudo, que tal conduta é garantia inabalável contra o pecado da idolatria é exibir uma compreensão profundamente epidérmica do assunto, pois a idolatria não reside no ídolo que se idolatra, mas, sim, no coração caído e rebelde do homem; que, em vez de adorar unicamente a Deus, resolveu, livre e deliberadamente, adorar a si mesmo, fazendo de si o ponto de partida e de chegada das suas principais cogitações existenciais.
Como afirma Mauro Meister num dos pontos mais elucidativos do seu livro, o indesviável cerne da idolatria poderia ser sumariado da seguinte maneira: em vez de glorificar e adorar o grande Eu Sou, que é Deus, o homem passa a glorificar e a adorar o grande sou eu, num processo de autorreferenciação no qual reside a raiz má e produtora dos maus frutos do pecado da idolatria.
Esse ponto é importante, porque no final das contas, Mauro Meister não se pronuncia como um não idólatra falando para idólatras, mas, sim, como alguém que, conquanto seja assediado constante e tenazmente pelo terrível pecado da idolatria, encontrou em Jesus Cristo, no poder da sua morte e da ressurreição, os meios necessários para ter purificado o seu coração, podendo, desse modo, pela mediação do Filho de Deus e pelo poder do Espírito Santo, derrotar a idolatria e glorificar o nome do Senhor.
Reconhecer que o pecado da idolatria nasce em nosso coração e nos assedia frequentemente já se constitui num bom caminho para a sua cura; caminho de humildade e de inteira dependência do nosso Deus. Mauro Meister mostra como o pecado da idolatria originou-se no Jardim do Éden, quando os nossos primeiros pais deram as costas para Deus e, em direção contrária, escancararam alma e ouvido para a serpente, quebrando, ato contínuo, o mandamento do Senhor, passando, de pronto, a colher o amaríssimo fruto da trágica desobediência.
A idolatria surgiu exatamente no momento em que, rebelados contra Deus, Adão e Eva construíram para si um trono; e, nele, puseram o seu ego, passando a viver em função dos seus interesses. Pecado esse que passou a toda a raça humana. Idolatria rima com autonomia, desejo de se viver à revelia do Senhor. Conforme sinaliza Mauro Meister: “a idolatria é em última instância a adoração do eu. Ela consiste na decisão do ser humano de se colocar em pé de igualdade ou acima do Deus criador do universo”.
Maligna em seu âmago, a idolatria viceja em todas as esferas humanas, inclusive no território eclesiológico, no culto de personalidades abominavelmente praticado em certos segmentos do evangelicalismo brasileiro. Há igrejas que exibem, ridícula e idolatricamente, em seus ambientes de “culto”, enormes quadros com a foto dos seus líderes, cujos trejeitos são imitados pelos liderados da forma mais servil possível. Boa parte da hinografia presente em nossas igrejas atualmente retira o foco da pessoa de Deus, dos seus atributos e grandes atos redentivos, e o faz recair nos interesses dos homens, não raro egoísticos, “manifestação concreta da nossa antiga idolatria”, conforme adverte Mauro Meister. De tal realidade somente a graça de Deus pode nos libertar.
Precisamos saturar a nossa mente e coração com as Escrituras Sagradas, nas quais encontraremos os parâmetros necessários para discernirmos os sinais de uma cultura terrivelmente idólatra, dentro da qual estamos inseridos, e na qual somos chamados a atuar como luz do mundo e sal da terra. Firmados na normatividade da Palavra de Deus, encontraremos mecanismos doutrinários suficientes para nos prevenirmos contra as teologias falsas, que engendram uma espiritualidade e uma ética igualmente, falsas, as quais, ao fim e ao cabo, conduzem o homem ao pecado da idolatria.
Mauro Meister conclui o seu esclarecedor livro pontuando a loucura da idolatria e o que Deus espera de cada um de nós no tocante a uma vida inteiramente devotada à gloria do Senhor. Como Senhor soberano, santo e sábio em todos os seus caminhos, assim como o fez nos primórdios do seu relacionamento com o homem no Jardim do Éden, Deus requer de nós que creiamos em sua Palavra; confiemos, irreservadamente, em seus propósitos para a nossa vida; e obedeçamos aos seus mandamentos. Que o Senhor nos guarde da idolatria e nos faça viver em harmonia com a sua “boa, agradável e perfeita vontade”. SOLI DEO GLORIA NUNC ET SEMPER.
José Mário da Silva
Presbítero da IPB/CG